Fazenda Bom Sucesso

Luís Helvécio Uchoa Santos

Não importa a grafia: se é BomSucesso ou apenas Bom Sucesso, mas é uma pena não se saber com certeza a origem do nome desta fazenda. Mesmo Bom-Sucesso.

Há uma suposição de que o nome foi adotado pelo seu proprietário mais distante de que ouvimos falar, um padre Campelo, que agia pelos sertões de Canindé, e que era colega de batina do padre Coelho, mais atuante na Serra de Baturité, dessa mesma família, dona da Fazenda Cachoeira, um pouco acima da Cachoeira dos Lessa.

Padre Campelo era dono de escravos, com os quais construiu o primeiro açude do Bom Sucesso, ainda na primeira metade do século dezenove. Além da casa da fazenda e algumas outras benfeitorias, que o tempo foi apagando. Chegada a velhice ou por outros motivos que se desconhece, vendeu a propriedade ao Capitão Antônio dos Santos Lessa.

Esse Capitão, cuja patente foi adquirida naquele tempo, pelo seu irmão Manuel dos Santos Lessa, terceiro Intendente Municipal de Canindé, era homem muito reservado, pensativo e ganhador de dinheiro, porque era trabalhador e gostava de aplicar seus ganhos em bens imóveis-sítios, fazendas e casas. Tanto que vendeu sua Fazenda Lisboa, próxima ao Distrito dos Campos, para adquirir o Bom Sucesso, que ficava mais próxima da então Vila do Canindé, na qual ampliou sua criação de gado.

Sabe-se muito pouco sobre a vida do ex-dono do Bom Sucesso, o Cap. Antônio dos Santos. Era casado com Etelvina, cuja origem se desconhece, e que, ao dar à luz sua filha Francisca Arcelina, faleceu durante o parto. A menina foi criada até os quatro anos pelo pai, sabe Deus como. Então aconteceu o pior. Antônio dos Santos era dono de cinco sítios na Serra de Baturité, cuja produção de café e frutas, mais o que era produzido no Canindé, tudo era remetido a Fortaleza, para um abastado comerciante de nome Barão da Ibiapaba, que após três anos de troca de produtos por mercadorias o Capitão Antônio dos Santos foi informado que estava devendo àquele comerciante uma grande quantia. Isto levou-o a um profundo desgosto, porque o agropecuarista sempre tinha um bom saldo a receber e agora estava em situação absolutamente contrária aos seus cálculos. Valendo-se de um outro seu grande amigo, Barão de Studart, conseguiu dinheiro para pagar aquela conta desonesta e deu por encerrado seu relacionamento comercial com aquele a quem considerava merecedor de sua confiança por muitos anos. Voltou ao Canindé, onde vendeu alguns bens e mandou pagar o que lhe fora emprestado.

Atormentado por tamanha traição, jamais se conformou. Pegou uma corda e montando seu alazão dirigiu-se à manga ao Poente da fazenda Bom Sucesso, onde se enforcou pendurado ao galho de uma jurema inclinada. Só foi encontrado dois dias depois, e levado ao cemitério, foi sepultado do lado de fora, porque a Igreja não permitia que suicidas se enterrassem com os de morte natural.

A filha única, Francisca Arcelina Lessa, ou carinhosamente chamada de Fransquinha, passou ao seu tutor e tio Manuel dos Santos Lessa que a criou e a educou a partir dos seus dez anos no Colégio da Imaculada Conceição, em Fortaleza, e deu-a em casamento, com apenas 15 anos.

Seu noivo era um pernambucano de Olinda, que tinha sido nomeado Juiz de Direito para a Comarca de Assaré, no Cariri cearense, isto por volta de 1885. (Permitam este parêntese – ali nasceu o grande poeta sertanejo PATATIVA DO ASSARÉ, “seu” Antônio Gonçalves, a quem o autor destas linhas concedeu vários empréstimos quando trabalhou na Carteira Agrícola do Banco do Brasil, em Juazeiro do Norte, no início da década de1970). Cansado da solidão naqueles ermos, o Doutor resolveu ir embora para sua terra, seguindo a ribeira do Rio Jaguaribe, rumo à cidade de Aracati, quase no extremo leste do Ceará, onde tomaria como transporte um “VAPOR”, navio de caldeira movida a água e lenha.

Todavia, mudou de rumo durante a viagem para embarcar, objetivando passar pelo Canindé, onde se encontrava um colega da Faculdade de Direito, e Juiz da terra de São Francisco. Seu colega ficou muito feliz com tão ilustre visita e quis retê-lo por mais algum tempo. Para isso, mandou que escondessem o cavalo de sua montaria. Mas a finalidade da brincadeira era apresentar o Dr. Álvaro Barbalho Uchoa Cavalcanti a uma moça nova e muito bonita, com vistas a um futuro casamento. Isto preocupou o Dr. Álvaro, porque não tinha a menor intenção nesse sentido, queria mesmo era seguir viagem rumo ao seu povo e matar a saudade de sua família, de quem estava afastado por mais de dois anos.

Chegada a noite, o Juiz de Canindé levou seu colega à casa do Intendente Manoel dos Santos Lessa, e sem muita conversa disse ao dono da casa que o motivo era pedir a garota Fransquinha em casamento para o seu colega. Naqueles idos de 1880 isto era irrecusável e nada pôde fazer a mocinha de quinze anos, senão ficar noiva, mesmo sem aliança ou qualquer diálogo com o inesperado visitante.

No dia seguinte Dr. Álvaro seguiu viagem rumo à Capital de Pernambuco, só voltando alguns meses depois, já com o enxoval de casamento. Certamente nesse intervalo ele e a noiva Fransquinha devem ter trocado algumas cartas para os detalhes do casamento e futura vida que levariam a dois. Mas uma coisa se sabe: foi ela quem escolheu o lugar onde se casaria – Mulungu, na serra, pois não gostava muito do sertão de Canindé, embora tenha fincado residência definitiva na fazenda onde nasceu e curtiu sua primeira infância.

Para ela, ele foi um achado importante, sendo um Doutor, e em terra de cego quem tem olho é rei, segundo ela mesma gostava de dizer. Por outro lado, ele jamais poderia encontrar um partido melhor, vez que ali estava um grande patrimônio de bens materiais, e uma moça nova, ingênua, bonita e de muito boa educação. Além de muito alva e cabelos até a cintura era enérgica e determinada.

Casaram-se, foram felizes e produziram dez filhos. Enquanto isso, o Doutor Álvaro abandonou a Magistratura para dedicar-se exclusivamente à administração da grande fazenda de algumas léguas de terra, mais os cinco sítios da serra. Por ocasião da moagem da cana, no Sítio Limeira, ele sempre se deslocava do Canindé para cuidar pessoalmente. Dona Fransquinha Lessa nunca mais botou os pés na serra, só ocupada com a numerosa prole. Ela faleceu em 1920, oficialmente da conhecida e temida gripe espanhola e ele morreu de diabetes em 1928.

Somente em 1938 foi realizado o inventário dos imóveis, ficando o Bom Sucesso mais ou menos como hoje ainda se acha repartido entre os descendentes.

Segundo a filha caçula e mãe deste autor, tudo aqui relatado se trata de tradição oral, passada de pai e mãe para filhos. Portanto sem nenhum rigor histórico ou científico, requerendo a indulgência de quem aqui se debruçar, pelas falhas, ausência de dados e alguma imprecisão.

Este é um histórico muito resumido de um pedaço abençoado do Canindé. Escrito por um neto do casal acima referido e que preferiria o anonimato, mas por força de insistência de seus familiares, teve que identificar-se.

Bom Sucesso, numa bonita manhã, em 10/4/17.

Luís Helvécio Uchoa Santos